"Enquanto trabalho com ar de moça séria e ajuizada,
minha cabeça parece uma metralhadora giratória,
os pensamentos sendo disparados a esmo:
digo ou não digo;fico ou não fico; tento ou não tento?
quem de mim é a sã
e quem é a louca,
por que ontem eu não estava a fim
e hoje estou tão apaixonada,
como estarei raciocinando daqui a duas horas,
em linha reta ou por vias tortas?
Que controle tenho eu sobre o que ainda não me aconteceu?
E sobre o já acontecido,
que segurança posso ter de que minha memória seja justa,
de que minhas lembranças não tenham sido corrompidas?
Quero e não quero a mesma coisa tantas vezes ao dia,
alterno o sim e o não intimamente,
tenho dúvidas impublicáveis,
e ainda assim me visto com sobriedade,
respondo meus e-mails e não cometo infrações de trânsito,
sou confiável, sou uma doida.
E essa constatação da demência
que os dias nos impingem
não seria lucidez das mais requintadas? É de pirar.”
---- Martha Medeiros ----
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